O que é Crise?
Nos dicionários encontramos a definição como “ataque repentino de doença,
período difícil, reação forte; momento perigoso ou difícil de uma evolução ou
de um processo; período de desordem
acompanhado de busca penosa de uma solução; conflito, tensão”. Já o Federal
Bureau of Investigation (FBI), define crise como um evento ou situação
crucial, que exige uma resposta especial da Polícia, a fim de assegurar uma
solução aceitável. Podemos considerar crise como todo evento sério e
negativo de consequências prejudiciais. - Perturbação que altera o curso
ordinário das coisas. - Momento perigoso ou decisivo de um negócio.
De
acordo com Lopes (apud FORNI, 2002, p.363), crise é “qualquer coisa negativa
que escape ao controle da empresa e ganhe visibilidade”. É um evento ou
conjunto de circunstâncias que possam significativamente afetar a habilidade da
empresa em conduzir seus negócios normalmente.
Todas as organizações são vulneráveis às crises, independentemente do
tamanho, área de atuação ou origem.
A Crise em uma empresa de aviação
No Brasil temos por ano uma média de 92
acidentes aeronáuticos, considerando apenas a aviação civil nos últimos 10
anos. Infelizmente, a média que era de 64 acidentes/ano até 2006, passou para
119 nos últimos cinco anos (até 2012). É importante ressaltar que só no ano de
2012, foram 177 acidentes aéreos e em 2013 foram 163, segundo o CENIPA.
Especialistas da área de segurança de voo afirmam que acontecem
cerca de 300 ocorrências antes de um acidente e que este último, vai acontecer,
com certeza. Podemos não precisar a data, o horário ou o local, mas com
certeza, um acidente ocorrerá. É importante salientar que em 2012 foram
registrados 362 incidentes aeronáuticos.
Uma estrutura bem montada, com a equipe
treinada, um manual bem elaborado dentro dos padrões exigidos pelas principais
auditorias de qualidade e agências reguladoras, além de processos estabelecidos
e definidos no manual, podem gerar uma substancial economia de custos que
envolvem tais situações no que se refere a um bem intangível, mas que por sua
vez é o mais afetado em situações de crise: a marca, a imagem da empresa. Para
muitas empresas um acidente aéreo resulta em encerramento das suas atividades e
desaparecimento da marca. Os casos da PAN AM depois de Lockerbie e da Swissair
em Halifax são apenas alguns exemplos. O último caso aqui no Brasil foi o da
Noar. Isto acontece na aviação regular e, com muito mais rapidez, nas empresas
de menor porte da aviação geral e táxi aéreo.
Na última assembleia da ICAO (International
Civil Aviation Organization), foi aprovado o documento 9998, cujo conteúdo é a
Política para Assistência às Vítimas e Familiares de Acidentes Aéreos desta Organização,
importante documento a ser adotado pelos países membros e será mais um passo
para que as vítimas e familiares tenham um tratamento digno em um momento tão
sofrido.
(Fontes: Nelson Villa Junior, Wikipédia, Alexandre
Caldini, Iara Régia Vital dos Santos - Dados estatísticos da aviação CENIPA e
ABAG)
Entrevista
Neste momento acompanhamos estarrecidos a
situação do voo MH 370, quando um Boeing 777, considerada uma das aeronaves
mais seguras, está desaparecida por tanto tempo, gerando aflição, tristezas,
inconformismo aos familiares e ainda, dúvidas e questionamentos em toda a
comunidade aeronáutica por todo o mundo. Neste cenário, o blog entrevistou o
Gestor de Crises, Agente de Segurança Operacional (investigador de acidentes e
incidentes aeronáuticos), Professor na área de segurança operacional, Maurício
Pontes. O professor é Piloto de aviões, Formado em Segurança de Voo pelo CENIPA
em 1997 (Agente de Segurança Operacional), Bacharel em Direito pela
Universidade Cândido Mendes em 1996, Pós-graduado em Marketing pela
Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) em 1997 e Pós-graduado em
Business Administration (CBA) pelo InsPer São Paulo em 2008 .
Dentre as
suas especializações, destacamos:
- Direito Aeroespacial – pela Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA) e pela Associação de Advogados de São Paulo (AASP)
- Effective Exercises for Aviation Crisis Management – International Air Transportation Association (IATA)
- Gestão e Auditoria em Sistemas de Qualidade – Centro de Tecnologia Aeroespacial (CTA)
- SMS - Safety Management Systems - International Air Transportation Association (IATA) e International Civil Aviation Organization (ICAO)
- Crisis Management and Hostage Negotiation– Federal Bureau of Investigation (FBI)
- Airline Emergency Planning and Response Management – International Air Transportation Association (IATA)
- Transportation Disaster Response & Family Assistance – NTSB Academy – George Washington University
Maurício
Pontes também fez parte da Delegação Observadora do Task Force 285 que elaborou
o documento 9998 na 38ª Assembléia da ICAO. Desejamos à todos vocês uma ótima
leitura!
Utilizamos
a Legenda:
EASAC:
Equipe Segurança da Aviação Civil
EASAC: Qual a legislação que
norteia o Gerenciamento da Crise e Plano de Assistência Familiar
no caso do acidente do voo MH370?
Maurício Pontes: Não tenho conhecimento de qualquer legislação específica relacionada à assistência a vítimas de acidentes aéreos na Malásia, o Estado de matrícula e origem da Aeronave. Entretanto, na China, o país de destino, há uma norma com esse foco (CCAR-399). Para efeito de responsabilidade civil, chegamos sem qualquer conflito à Convenção de Montreal, aplicável a voos comerciais internacionais, como era o caso. Mas há que se ter em conta que as ações exercidas pela empresa até o momento dizem respeito à uma “melhor prática” irreversível na aviação internacional, a de nos limites factíveis tentar prestar toda a assistência possível e da maneira mais digna aos familiares. Como uma empresa membro de uma forte aliança (One World) os requisitos formais para garantir a assistência são estritos, assim como os requisitos de qualidade IOSA (IATA Operational Safety Audit), certificação que aborda entre outros assuntos o gerenciamento de crises e resposta a emergências. Podemos observar que muito do que vimos acontecer lembra o padrão de assistência da lei norte-americana (Family Act), embora não fosse legalmente aplicável.
EASAC: Antes da descoberta dos destroços da aeronave, como você via o
gerenciamento desta crise (o desparecimento do voo MH370) por parte da empresa
aérea e das autoridades?
Maurício Pontes: Sou muito prudente com relação à forma de se analisar uma crise, ainda mais quando ela está em pleno andamento. Mesmo quem está diretamente envolvido, ainda não é capaz de fazer uma análise concreta sobre os acontecimentos ou de visualizar a crise em sua integridade. É como dois soldados na mesma batalha, em locais diferentes: cada um tem uma visão distinta sobre os fatos. Mas pelo que tenho acompanhado e pela interlocução com colegas de variados países é possível afirmar que a empresa está sendo cautelosa em relação ao seu website, onde tem colocado todas as informações disponíveis pelo menos uma vez por dia desde a confirmação do desaparecimento da aeronave. Vemos ainda que familiares têm sido acomodados em hotéis em Pequim e Kuala Lumpur, que há voluntários treinados e suporte psicológico, além de linhas telefônicas específicas para famílias, imprensa, etc. Um ponto sempre discutível é a tempestividade da informação aos familiares e ao publico: alguns observadores entendem que a empresa teria demorado a informar publicamente o evento. Em minha opinião, numa situação como esta, você precisa descartar uma série de possibilidades até confirmar que realmente trata-se de uma crise. É o velho dilema, velocidade ou qualidade na informação. Acredito que uma precipitação por parte da Malaysia teria obstruído sua capacidade de gerenciar e não traria ganho efetivo.
EASAC: Em relação aos familiares,
haveria algo mais a ser feito ou divulgado?
Maurício
Pontes: Ainda sobre a questão anterior, em 24/03 dizia-se que alguns
familiares teriam sido avisados sobre o desfecho fatal por
SMS. Essa notícia ganhou vulto na mídia internacional como símbolo de uma
assistência desumana. Como essa informação foi recebida por via da imprensa
e passou por vários intermediários, acredito que não reflita com precisão
o que ocorreu. Li artigos lúcidos no Washington Post e outros veículos
sobre o que teria sido uma comunicação em SMS específica para um grupo de
pessoas relativamente inacessíveis, para que não recebessem a notícia pela TV,
uma vez que já se sabia que o Primeiro Ministro malaio estava prestes a entrar
no ar com a informação de que não havia sobreviventes. Não há certo ou errado
em crises, nem fórmulas mágicas. O fato é que o advento das redes sociais,
tecnologias de comunicação como SMS e a quase onipresença de informações trazem
questões nunca contempladas por qualquer legislação. A observação do que está
sendo feito neste caso trará importantes lições.
EASAC:
Quais serão as próximas ações tomadas pela equipe de Gerenciamento de Crise e
Assistência familiar da empresa Malasya Airlines?
Maurício
Pontes: A partir do momento em que se torna oficial a confirmação do acidente,
a busca pelo atestado de morte presumida e o início do processo de indenizações
é viabilizado. Enquanto perduram as buscas, no momento centradas no Oceano
Índico Sul, a demanda emocional e a incerteza ainda justificam a permanência
das famílias longe de seus lares. É extremamente improvável que se resgatem
despojos, mas o que se busca é algo para fechar o ciclo, talvez uma cerimônia
no mar. A assistência médica, psicológica e espiritual é contínua, assim como a
atualização de informações diretamente nos centros onde há famílias e nos
canais da empresa. Uma coisa que me chamou atenção foi o fato da Malaysia ter
optado por colocar o dark site em grande destaque na sua homepage, ainda maior
após a confirmação.
EASAC: Esse caso do acidente
do voo MH370 é o primeiro grande acidente ocorrido após a aprovação do DOC 9998 pela
assembléia da ICAO em 2013, em relação à Política para Assistência às Vítimas
de Acidentes Aéreos e Familiares. Já é possível identificar alguma influência
deste documento?
Maurício
Pontes: Não diretamente. Mas a nova política da ICAO ganha relevância a partir
de uma tragédia como essa e serve como um guia a Estados sem norma aplicável. A
Política é um embrião para a publicação de um futuro “standard”, ou seja, para
que um Anexo Técnico à Convenção de Aviação Civil Internacional contemple como
mandatórios os requisitos de assistência humanitária pós-acidente.
Naturalmente, até em função dos problemas enfrentados nessa longa busca, o
drama dos familiares acabará dirigindo os olhares para este documento.
EASAC: Que lições as empresas aéreas no mundo e mais especificamente no Brasil podem tirar do acidente do MH370 no que
se refere à gerenciamento de crise e assistência familiar?
Maurício
Pontes: Recentemente o Departamento de Transportes dos Estados Unidos multou a
Asiana Airlines por ter prestado uma assistência considerada por esse órgão
como aquém das expectativas descritas no plano da empresa. Esta penalidade foi
uma mensagem a todas as empresas aéreas que voam para os Estados Unidos, no
sentido de assegurarem “de fato” o que já protocolaram “de direito”. Aquele ato
de uma autoridade americana, inédito desde a publicação do Family Act, foi uma
lição para que as empresas tenham em mente que os recursos previstos para serem
usados em uma crise devem refletir a realidade nos piores cenários. A despeito
de fusos, línguas, diferenças culturais e distância, o operador deve assegurar
que tem capacidade de endereçar as necessidades dos familiares e sobreviventes
de maneira tempestiva. Quantas empresas têm realmente pessoal treinado e
dedicado para o gerenciamento de crises, das cotidianas às catastróficas? E não
me refiro aos voluntários, mas a uma equipe especializada e de pronta resposta,
que se dedique ao planejamento e resposta a eventos críticos. Mas no caso do
MH370 talvez a maior lição seja para as autoridades. O desencontro de
informações, a quantidade de países envolvidos, aspectos geopolíticos e a
dificuldade de composição de um comando unificado têm gerado imensos problemas,
chegando a provocar uma ameaça de greve de fome por parte de uma parcela dos
familiares. O nome do jogo é interação e humanidade. Diferentes órgãos, Estados
e autoridades precisam ajustar suas condutas para atender ao objetivo de
aliviar o sofrimento dos envolvidos.
EASAC: Como você viu a atuação da imprensa internacional e no Brasil, no
acidente do MH370?
Maurício
Pontes: Um avião desaparecido por tanto tempo, informações desencontradas por
parte de autoridades e tanta incerteza são terreno fértil para as mais variadas
teorias. A cada dia a imprensa evoluía em uma história diferente, sempre
apoiada por pessoas que se auto intitulam especialistas. Fomos da história dos
dois passageiros iranianos com passaportes falsos até a suspeita sobre a
tripulação por conta de um tripulante ter um simulador em casa. Todos querem
solucionar o mistério. A imprensa internacional fez uma cobertura interessada,
tempestiva, mas sempre em busca dos chamados “smoking guns”. A CNN cravou
manchetes online dignas de registro. A proliferação de pseudo especialistas
parece ter irritado até a própria mídia, pois cheguei a ler artigos críticos
quanto a uma “indústria” de especialistas. No Brasil, a busca por assunto fez a
imprensa descobrir em pleno 2014 que um cargueiro da VARIG desapareceu no
Oceano Pacífico em 1979. Bem, a expectativa sobre a cobertura da imprensa a
eventos técnicos que envolvem dramas humanos é sempre a pior possível, se
baseada na experiência dos eventos anteriores. As primeiras imagens da invasão
de repórteres em direção aos familiares nos aeroportos foi uma cena muito
triste. Desta vez, a despeito de alguma cautela, as versões invadiram a
reputação de pessoas sem qualquer critério e nada concreto chegou a ser
transmitido, exemplo é o caso que mencionei dos SMS. E ainda estamos tanto no
campo das especulações que ainda nem se fala a sério numa investigação técnica.
Ainda há muito a ver nesse triste episódio.
Andréa Salgado
Equipe Segurança da Aviação Civil